sábado, 14 de outubro de 2017

VOCÊ É TÍMIDA (O)







Timidez não é introversão

Existe uma confusão clássica entre os conceitos de introspecção, extroversão e timidez.
O predominantemente introvertido prioriza o mundo das sensações, sentimentos e pensamentos que se passam em sua mente. Quando reconhece estímulos externos que aprecie, interage com tranquilidade, ainda que prefira ficar mais calado e reservado. Escolhe passar mais tempo consigo mesmo por opção e não por medo das pessoas.
O predominantemente extrovertido adora observar a realidade concreta, palpável, experimental e que atinge seus cinco sentidos. O introvertido teria a sensibilidade necessária para compor uma música, já o extrovertido teria mais facilidade para dançar essa música. A apreensão rítmica e coordenação motora são habilidades próprias do extrovertido. A diferença reside entre serem modo de operação mental distintos, um centrado no mundo externo e o outro no interno.
Já o  tímido tem medo da desaprovação social e da rejeição. Se vê aprisionado num jogo de forças internas que o impedem de interagir e se expressar com naturalidade, em especial nas situações nas quais não tenha controle.
Eu sou um introvertido não tímido, entendeu a diferença?
Uma pessoa poderia também ser extrovertida, tímida e comunicativa. Ou seja, teria sua atenção focada no mundo externo, teria grande medo de rejeição e mesmo assim se comunicaria bastante – provavelmente de maneira ansiosa e sem qualidade.

Projeção de perfeição

Como já disse em outro texto [ver Travo quando vejo gente melhor do que eu | ID #13], costumamos travar ao nos vermos em situações que ameacem nosso ego e as expectativas que temos de nós mesmos.
O tímido carrega um general interno que o impede de agir, falar e arriscar, sob pena de ser punido por dose maciça de culpa e vergonha [ver Os mecanismos da culpa e vergonha | ID #8]. Se debate com uma imagem interna de perfeição, que só passa na alfandega mental se tiver com todos os requisitos em ordem.
É comum o tímido afirmar que fica observando, estudando o ambiente antes de se abrir. Em resumo, ele fica julgando as circunstâncias e pessoas e vendo se elas são ameaçadoras ou confiáveis. Esse é um crivo perigoso, pois por trás dessa aparente fragilidade existe um controlador, julgando as pessoas o tempo todo, por diferentes motivos. "Esse parece meio maluco, não vou falar" e "essa deve ser brava, nem vou arriscar" ou ainda "essa garota é muito linda, vai me tratar como um lixo".
Note a quantidade de julgamentos que podem ou não ser coerentes com a realidade? Para o tímido seus julgamentos justificam e solidificam a 'sua' percepção de realidade. E decide por seguir calado.
Na bolha de realidade onde habita a timidez, as pessoas são intimidadoras. Mas note que essa hostilidade percebida pode ser apenas uma projeção de seus medos. Repare nessa sua frase: "vou chegar em uma mulher, tudo trava". Quem trava? Sua mente que anseia aprovação incondicional trava sua habilidade de se comunicar.
A vergonha é a constatação imaginária de ter contrariado expectativas sociais como alguém que perde a honra/amor/consideração diante de um grupo. É a falta de garantia que trava você.

A timidez não é um traço de personalidade

"Já deixei de fazer muitas coisas por causa dela."
Cuidado com essa afirmação. A timidez não é um traço de personalidade mas uma disfunção da sua fluência emocional, quase como uma obsessividade por perfeição associada com negatividade. Lembra do que afirmou? "Tenho pensamentos negativos com certa frequência".
Não assuma a timidez como um traço inevitável de sua vida, ela é só um jogo de forças que se reforçam pela sua escolha diária. E como todo hábito, pode ser reajustada. Basta treinar sensações de quebra, falha, perda e imprevisibilidades.
Já ouvi de muitos tímidos uma frase reveladora: "fico com medo do que vão pensar de mim, não gosto que fiquem me olhando", ou seja, o centro da argumentação é:
"Claro que vão olhar para mim e pensar algo sobre isso."
"Claro que vão olhar para mim e pensar algo sobre isso."
Será que somos tão importantes a ponto de nossas opiniões ou gestos serem de suma importância?
Choque de realidade: você não é o centro das atenções, meu amigo.
Você não é uma autoridade suprema incorrigível e tem total direito de falar bobagens, se mexer estranhamente ou perder o compasso do assunto. Ninguém vai deixar de ser amado por conta disso. O desejo secreto de ser querido e reconhecido, no entanto, pode fazer com que se superestime e... trave.
Agora vamos seguir observando algumas falas marcantes da pergunta desse artigo:

"Não sou arrogante, sou tímido"

Ouço os tímidos dizerem que são taxados de arrogantes, antipáticos, antissociais e solitários. Para os olhos dos outros é isso que aparenta, quem vai dizer o contrário? O tímido não olha nos olhos, mal fala com os outros quando evocado e foge de trocar impressões e revelar a si mesmo aos todos. As relações com o tímido são sempre unilaterais, os outros dão e ele só observa fechado no seu medo e hipersensibilidade.
Se impõe mil barreiras para que as pessoas conheçam você a única conclusão óbvia é que não quer ser conhecido de fato.
O arrogante não é aquele que pouco se importa com a opinião dos outros? Você tem deixado as pessoas gostarem de você e ouvir o que elas realmente tem a dizer sobre sua vida? Ou prefere ficar fechado nesse casulo de autopiedade e falta de valor?

"Quando me sinto à vontade, me solto"

Se ponha no lugar dos outros, que trabalham para conquistar sua confiança! Parece uma escalada que o o tímido impõe para selecionar os demais. Quem merece sobe no ranking, quem não merece cai. Pra quê?
Perceba um detalhe simples, os outros não podem se responsabilizar por tornar o ambiente mais confortável para você. Deixe de esperar figuras maternais e afáveis a todo momento cercando seus passos.

"Algum método ou 'treino' para resolver este meu problema?"

Experimentação e concretude para sair da sua caixola e interagir com a realidade. Encontre pequenas ilhas de segurança e teste a sociabilização, fale mais que o habitual, ouse novos caminhos, gestos, ações e palavras já nos ambientes controlados. Aprenda a lidar com rejeições banais como ligações telefônicas ou recusas em redes sociais. Depois, se quiser, progrida e saia numa balada, teste tomadas de foras, até criar uma casca emocional contra negativas inofensivas – sim, são inofensivas.
Cumprimente mais as pessoas, mesmo aquelas que não são tão íntimas e olhe no olho das pessoas quando fala, mesmo que seja torturante. Sorria mais vezes, pois nem deve reparar que sua cara costuma ser sisuda e fechada. Se quiser passe ridículo, tropece de propósito e note que isso não desfigura sua personalidade, aliás nada pode desfigurar seu valor pessoal se você não der permissão a isso.
Ah, e psicólogos não mordem, procure um caso queira aprofundar essa conversa.

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